A ÓPERA DO MALANDRO



O melhor é ir direto ao assunto, não vá o caro leitor pensar que irá ler um texto sobre o Chico Buarque: aqui o malandro é mesmo o Arroz de Robalo e Tamboril do restaurante Tia Alice em Fátima. Evita-se assim a já batida analogia tipo “O Santuário da Chanfana”, “Catedral do Arroz de Pato” ou “Bacalhau Sagrado”. Também não ficava nada mal “Crónica do Bom Malandro”. Adiante.

Um dia destes dei-me ao luxo e fui até Fátima, Cova da Iria incluída. Aproveitei a jornada “Tia Alice” para dar um salto ao Santuário e ver a nova Basílica, que por sinal me impressionou bastante, tal a envergadura e bom gosto da obra. Já o caos urbanístico em redor deixou-me um bocado confuso e tive de recorrer à sabedoria de uma senhora taxista para me informar o caminho certo para o restaurante Tia Alice. E mesmo assim não acertei à primeira. Fiquei com a ideia de ter entrado no restaurante pela porta dos fundos…Mas à hora marcada lá estava eu e a Patrícia sentados à mesa de um dos melhores restaurantes de cozinha tradicional portuguesa do país. A sério.

Posso estar enganado, mas duvido que naquela cozinha se utilize termómetros ou tubos de ensaio…e se não utilizarem a colher de pau, é porque a ASAE não deixa. A comida é toda ela muito simples mas extremamente deliciosa. Nota-se um grande cuidado na escolha de produtos frescos e de altíssima qualidade. Depois, bom, depois é deixar a “Tia” Alice cozinhar como só ela sabe: divinalmente (não me consegui escapar à referência religiosa…).

Vamos à ementa. Nos pratos de peixe temos à escolha a Açorda de Camarão, a Açorda de Bacalhau, o famoso Bacalhau Gratinado e o “malandro” Arroz de Robalo e Tamboril. Nas carnes propõe-nos a Vitela Assada no Forno a Lenha, o Arroz de Pato, o Arroz de Feijão à Transmontana e a Chanfana. Antes do prato principal, podemos comer como entrada a morcela de arroz, o melão com presunto ou a sopa de legumes. Mais uma vez, nada de grandes sofisticações.

Não foram muitas as vezes que tive o privilégio de jantar ou almoçar neste extraordinário restaurante, até porque não estamos a falar de um restaurante qualquer. O restaurante Tia Alice não tem estrelas Michelin mas paga-se como se tivesse duas ou três. Desta vez optou-se por provar o tal Arroz de Robalo e Tamboril e a Vitela Assada. Apesar do Arroz estar na ementa como sendo para duas pessoas, simpaticamente foi-nos dada a possibilidade de comer apenas uma dose. Assim, começámos com o melhor arroz de peixe que já me foi dado a provar nesta vida (o da minha sogra anda lá muito perto): o robalo e o tamboril pareciam acabados de saltar do mar para o tacho. O arroz, solto, soltinho, no ponto perfeito de cozedura, nadava no caldo harmoniosamente ao lado do peixe e das suas ovas. Tudo assente num refogado de bom azeite, cebola, tomate e pouco mais (neste “pouco mais” é que está o segredo). E como diz um amigo meu: “nada de juntar marisco ao peixe nas arrozadas”.

Com a vitela assada regressamos ao passado e voltamos às festas familiares em casa dos nossos avós onde estes pratos eram a atração principal da festa, oriundos do forno rústico a lenha metido entre a eira e o alpendre. Os sabores da aldeia estão todos enfiados nesta vitela. Não me parece que se consiga reproduzir este tipo de iguaria numa grande cidade. As batatas e as cebolas assadas, as nabiças cozidas na perfeição a acompanhar a carne assada na temperatura e tempo ideais, fazem deste prato um dos mais requisitados do restaurante. Se juntarmos um tinto Quinta do Côtto 2009 ao repasto, então a vida sorri-nos. É bom, mas bom!
Para terminar, aceitámos a sugestão da casa e pedimos o famoso leite-creme: excecional. Nem vimos o resto da lista de sobremesas.

O cineasta Fernando Lopes, há uns anos numa entrevista, dizia que gastava pouco dinheiro no dia-a-dia, mas havia um luxo que não dispensava regularmente: uma refeição no Gambrinu’s; por isso andava sempre com o mesmo casaco, os mesmos sapatos e não conduzia. Acho que vou fazer o mesmo com o restaurante Tia Alice. Ao preço que está a gasolina, na próxima vez apanho a carreira para Fátima: sempre dá para a sobremesa!

(Texto publicado na rubrica SABOR do Jornal de Leiria no dia 25 de outubro 2012)

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