NORTHERN EXPOSURE
Ando a rever a série de televisão
“Northern Exposure”. Não sei se se lembram? É aquela do médico que sem saber
ler nem escrever aterra no Alaska, numa cidadezinha chamada Cicely. É dos anos
90 e dava na SIC por volta das 3 da manhã…é a melhor série de todos os tempos.
Felizmente que já cá moram em DVD todas as temporadas! Em Portugal deram-lhe o
título “No fim do mundo”.
A série é profundamente
filosófica e o existencialismo é umas das correntes mais mencionadas, aliás, em
cada habitante de Cicely há um Sartre, um Nietzsche, um Kierkegaard. Só o Dr.
Fleishmann, o tal médico, é que está fora desse mundo, situação que, diga-se,
lhe causa algum transtorno.
Num dos episódios, Maggie O’Connel,
uma das personagens principais, faz 30 anos. Seguindo os sábios conselhos do Ed
Chigliak, jovem cinéfilo Índio apaixonado por Bergman, Maggie retira-se e vai
celebrar o aniversário, sozinha, no meio da floresta junto a um rio. A ideia é
refletir sobre a vida, uma vez que atingiu uma idade considerável. Uma dessas
reflexões passa por escrever uma carta a cada um dos namorados já falecidos
(todos eles morreram das maneiras mais estranhas, um deles levou com um
satélite na cabeça…). O rio encarregar-se-á de entregar as cartas no
destino.
Lembrei-me deste episódio porque,
à beira dos 40 e não dos 30, um tipo torna-se mais pensativo com essas merdas
da vida. Pensamos mais vezes no passado, naquilo que vivemos de bom e de mau, e
temos algum receio do futuro. Não sabemos bem o que aí vem. Naturalmente, enviamos
perguntas para o ar e ficamos à espera das respostas, que tardam em aparecer. E
construímos hipóteses. Muitas hipóteses. Sem nostalgias. Isso da saudade e
afins só empata um gajo. Para a frente é que é caminho. Questionando, sempre
questionando, mas em frente.
Esta história toda aparece
porque, basicamente, vou passar o fim-de-semana a Monte Redondo com passagens
pela Praia do Pedrógão, coisa que já não faço há muito tempo. Jantar com os
amigos na praia e almoço de família no campo só dá para recordar tempos idos.
Viveu-se por ali muita cena em idades tramadas: o primeiro beijo, a primeira embriaguez,
a primeira chapada, o primeiro pião e, claro, o primeiro acidente de viação
grave.
Soltar o cão da vizinha e fugir
da fera, jogar às escondidas pela aldeia inteira (ganhava o puto que se
escondia no cemitério), descer ravinas de bicicleta sem travão, a fuga do meu
irmão e do meu primo (2 ou 3 dias sem lhes porem a vista em cima) durante as
vindimas, pescar enguias com cesto no rio, caçar pardais e bicos de lacre com uma
espécie de alçapão, roubar limões ao padre, fazer fisgas, meter moedas nos
carris do comboio, sessões de cinema no salão paroquial e aos sábados à tarde
na televisão, os jantares de natal com a malta da empresa, o guinchar do porco
durante a matança, as saladas de atum e o pão com banana e marmelada, as provas
do mundial de motocrosse mesmo em frente a casa, os jogos do Motor Clube ao
domingo à tarde, o café Canas, são algumas recordações do campo que com a idade
ganham outra dimensão.
Depois há as recordações da
praia: os mergulhos com bandeira vermelha, as noites frias de verão, os jogos
de cartas em casa uns dos outros, a maratona ganha pelo Carlos Lopes, o frango
assado da Amélia, a BMX com suspensão, a casa virada para o mar, o inverno, a
bandeira verde, os almoços na mata, puxar a rede, o Ernesto a queimar com
cigarros as mordidelas de peixe-aranha, a bola da Nivea, a rede de vólei, o
skate, os joelhos rasgados, o Casino, setembro, as palmeiras que nunca
cresceram, sábados com pancadaria de meia-noite, o pequeno-almoço no Conde, o
campismo, a Honda Vision, o Toyota Starlet, a Diana, a Marta, a Rita, a lagoa, o pão quente, o bar azul. Tequila.
Joy Division e Clash.
Pode não parecer, mas isto anda
tudo ligado: Northern Exposure, Cicely, Monte Redondo, No fim do mundo,
existencialismo, Pedrógão, as crises da Maggie, fisgas, os meus quase 40 anos
de idade, o peixe-aranha, os cigarros do outro e o diabo a quatro...
E se há música que me
transporta automaticamente para estes tempos é “Straight to Hell” dos Clash,
que ouvia vezes sem conta no mesmo gravador que servia o ZX Spectrum.
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