GUERRA CIVIL DE ESPANHA

Antes do início da Guerra Civil de Espanha em 1936, a política externa portuguesa parecia estar bem definida. Como refere Nuno Severiano Teixeira no texto em análise, desde a «institucionalização do regime» em 1933, que Salazar já tem uma ideia sobre o caminho a seguir no campo da diplomacia e política externa: consolidar a tradicional aliança inglesa e desprezar o parlamentarismo da Sociedade das Nações. Mas é em 1935 que o governo de Salazar se afasta das questões continentais e afirma a sua vocação atlântica; reforça a aliança inglesa e a amizade peninsular e defende a integridade colonial – políticas conduzidas pelo próprio Salazar entre 1936 e 1947.

A «questão espanhola» e o retorno à diplomacia bilateral passam a estar no centro da política externa portuguesa, mas era preciso não melindrar a Inglaterra (a integridade colonial estava dependente da aliança luso-britânica) com as posições tomadas em relação ao apoio que Salazar iria conceder à facção nacionalista do conflito em Espanha. Para o governo português estavam em causa dois grandes tipos de ameaça: em primeiro lugar, a possibilidade de surgir em Espanha um regime que pudesse colocar em causa o Estado Novo e em segundo lugar, o «velho medo» de a Espanha entrar pelas fronteiras portuguesas adentro.

A Guerra Civil de Espanha foi na altura (1936-1939) uma questão elevada a um nível mundial. Vejamos o que disse César Oliveira sobre a dimensão do conflito: «durante perto de três anos a Guerra Civil de Espanha esteve no fulcro da política externa de todas as potências mundiais, ocupou o cerne das discussões políticas, a primeira página de todos os jornais do mundo (…).1 A internacionalização do conflito, uma espécie de «guerra fria» dos anos 30, colocou Portugal a mercê das potências europeias, nomeadamente da França e Inglaterra, quando estas propõem a Salazar a adesão à ideia de não-intervenção no conflito espanhol. Mas Salazar nem disse que sim nem que não, impondo condições e atrasando o processo de adesão para que pudesse levar adiante um grande apoio diplomático, logístico, político e de propaganda, que seria fundamental para as tropas nacionalistas chegarem vencedoras a Madrid e para que o Generalíssimo Franco proclamasse a vitória do nacionalismo.

Nuno Severiano Teixeira aborda, e bem, a estratégica diplomática portuguesa face à Guerra Civil em Espanha invocando factos históricos relevantes e mencionados nos estudos de grandes especialistas nesta temática como são o caso de Medeiros Ferreira, Fernando Rosas ou Iva Delgado, no entanto, parece-me haver uma questão a que o autor faz pouca referência e que poderá ter tido fulcral importância no desenvolvimento da política externa do Estado Novo. Refiro-me concretamente à questão ideológica: «A Guerra Civil de Espanha foi a última das guerras ideológico-religiosas europeias a que nenhum homem ou mulher da Europa dos anos trinta conseguiu ficar indiferente. Ela marcou, de uma ponta à outra da Europa, toda uma geração»2.

O fascismo alemão e italiano estava a consolidar-se e Salazar não era indiferente à doutrina que viria a dar muito que falar (II Guerra Mundial), pelas piores razões, com Hitler e Mussolini. A Espanha antes da guerra civil «vivia num regime de absoluta normalidade constitucional, dentro das mais puras regras democráticas»3 e em três anos de conflito, com o apoio (in)directo do governo português, foram assassinadas e torturadas milhares de pessoas «três mil pessoas massacradas em poucas horas na praça de touros de Badajoz, pelo crime de não serem falangistas»4. Salazar sabia que do outro lado da barricada estava uma forte ameaça comunista. Era fundamental colocar-se ao lado dos nacionalistas, mesmo que a ala mais radical destes pudesse ter em mente uma ténue ideia de anexar Portugal.

O «perigo vermelho», esse sim, era a grande ameaça à consagração do fascismo em Portugal. Compreende-se a tomada de posição do Estado Novo em não recolher qualquer tipo de louros com a vitória dos nacionalistas e «abandonar» os «viriatos»: o conflito tinha sido demasiado sangrento, tinha morrido demasiada gente para que Salazar pudesse cantar vitória.

João Brilhante




Bibliografia

1 Oliveira, César, Salazar e a Guerra Civil de Espanha, Lisboa, O Jornal, 1987. Pág 140
2 idem
3 Gomes, Varela, Guerra de Espanha – Achegas ao redor da participação portuguesa, Lisboa, Fim de Século, 2006. Pág 69
4 idem. Pág 70

Comentários

  1. Gosto desta incursão na nossa história. Dizer que, entre o apoio directo de Salazar a Franco, inclui-se,além do diplomático, logístico, político e de propaganda, o também apoio militar, como o envio dos designados viriatos, nome que designava os voluntários portugueses que combateram ao lado da falange...este "voluntários" obviamente que tem muito que se lhe diga....última achega: é obrigatório passar os olhos pela vastíssima obra de Luís Reis Torgal. Eu digo que este professor jubilado da UC é uma das maiores autoridades vivas sobre o assunto. O Fernando Rosas afirma o mesmo. Modestamente o prof Reis Torgal diz que a maior autoridade sobre o Estado Novo é o próprio Fernando Rosas (e é de facto um super patrão, sim senhor). Bons escritos e obrigado por este momento. Abraço!!! Marco Gomes

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  2. Também me parece que houve ali muito viriato voluntário à força! Esses senhores que mencionaste são, sem dúvida, grandes estudiosos da época. O Dicionário de História do Estado Novo com direção do Fernando Rosas é um bom exemplo.
    Obrigado eu por leres e comentares!

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